quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Pensamentos de passarinho III

Desta vez eu não quis cantar pela manhã, não quis comer a comida que me deram, queria algo mais que não sabia dizer, era um dia cinza, frio, não era um dia que dava vontade de sair, não dava vontade de voar pelos céus, mas também não dava vontade alguma de permanecer ali.
Um dia onde a única vontade era deixar o tempo passar, talvez tudo voltasse ao normal, talvez se eu fizesse greve, se eu não cantasse mais ele tivesse piedade de mim, tivesse pena de uma pobre ave entristecida e me desse mais carinho e cuidasse para que eu não me deprimisse mais.
Ele saiu pela manhã, passou o dia fora, não voltou até o anoitecer, era difícil ficar olhando, via a janela aberta, o vento nas árvores, o dia nublado, mas era notável que não iria chover, o cheiro de fumaça de carros entrando pela janela, o ruído da cidade que cercava a casa, o desgosto pelo lugar pairava em meu ser, o desgosto pela situação, pelo dia, por ele.
Sai da gaiola, circulei pela casa, vi fotos no mural, nenhuma minha, vi toda a casa, um ambiente que já não parecia fazer parte de mim, um lugar que me deixava sem escolhas, uma vontade imensa de partir, de nunca voltar, uma raiva do mundo, como se todos fossem culpados por aquela situação, as rádios que diziam que não se devia prender os animais, mas e quando o animal queria? E o nosso direito de ficar? De querer? E se nossas asas estivessem cansadas desse mundo que os homens criaram? Dessa natureza que é lutar pra viver? E se eu simplesmente quisesse o conforto, a paz, quisesse apenas cantar para ele todas as manhãs? Ainda não consigo entender o motivo da gaiola aberta, do querer que eu parta e o carinho, por mais que a razão entenda, meu coração de passarinho fica aqui, nessa angustia, nesse não saber o que fazer, se eu partir hoje, amanhã a gaiola ainda estará aberta para eu voltar?
Creio que é a hora de descobrir isso, mas o que vai acontecer se eu não voltar? Ele vai entristecer? Não há como saber sem partir.
De asas esticadas, no parapeito da janela, fecho os olhos, dou impulso, bato as asas com força até encontrar uma corrente de ar e me deixar levar... Eu sei o caminho de volta, mas já não sei mais como olhar para trás, se o fizer sei que não terei forças para continuar a jornada.

(é a saga tá realmente rolando)

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