terça-feira, 24 de agosto de 2010

Pensamentos de passarinho IV

O vento batendo nas asas, as asas batendo no vento. O céu cinza sobre minha cabeça, os carros a buzinar nas ruas, o mundo todo a baixo de mim, um turbilhão de pensamentos, entre eles a vontade louca de ceder, de voltar, de continuar onde eu estava, dentro do mundo que eu conhecia tão bem, dentro da minha pequena gaiola, aquela que me trazia tantas lembranças de momentos bons, apesar de suas grandes, apesar de todos acharem triste, ali eu cresci, era o mundo que tinha, não o céu infinito e amedrontador, ser livre dava medo.
Fechei os olhos para fugir da mente, estranho dizer isso, mas com os olhos fechados eu via menos coisas irreais do que de olhos abertos, não sei o porque, mas era mais fácil sentir a realidade assim, continuei meu vôo sem saber qual caminho tomar, seguia em frente, seguia reto, começava a ver árvores, canteiros, um parque se formava em meu horizonte.
Pousei pela primeira vez em um galho, ele era firme, de textura interessante, podia ouvir o canto de outras aves, e elas cantavam felizes, talvez elas fossem felizes por nunca terem conhecido o que era viver com alguém, talvez não conhecessem os prazeres de cantar toda manhã para aquele de quem gostavam, ou talvez eu quem estivesse errado, não soubesse o que era ser livre, não comprendesse essa alegria em não ter algo que me motivasse, de ser apenas eu por minhas próprias penas, como disse aquilo tudo me assustava, desde sempre estive naquele meu pequeno mundo...
Observava o mundo, me via também sendo observado, crianças curiosas vinham olhar, adultos um tanto alegres apontavam uns aos outros o meu ser, ali parado na árvore, quem sabe para eles eu fosse um pássaro interessante, talvez aquele que me libertou não soubesse de meu valor, não entendesse que eu era sim especial e que por isso deveria me manter junto a ele, deveria querer sempre que eu estivesse perto.
Assim como a manhã passou rápido o dia também passou, e eu fiquei ali, vendo a noite, observando novas criaturas, novas formas de sobrevivência, aprendendo a me alimentar sozinho, buscando sementes no chão, procurando um abrigo, por sorte encontrei um ninho que parecia abandonado, um lugar que não era dos mais confortáveis, mas que no momento era tudo que eu precisava, era estranho viver na base das necessidades, mas tinha que aproveitar.
Aproveitei aquele lar, aproveitei o parque, aproveitei os céus, experimentei todos os tipos de manobras que minhas asas eram capazes de fazer, cruzei os ventos, voei com toda a velocidade, voei de forma tranquila e lenta, peguei carona em massas de ar quente, subi o máximo que pude e desci com toda a velocidade até quase bater no chão, e sem querer, em tanto voar, sem saber muito bem para onde ia, acabei por voltar, por ver novamente aquela casa, fiquei na janela, sem saber se entrava, pois ela estava aberta, a pequena gaiola (pequena pois agora sabia o que era realmente algo grande) continuava aberta. Eu precisava entender algumas coisas, e ali era o lugar para isso.

(Começo a enchergar um fim)

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