quarta-feira, 16 de maio de 2012

Pensamentos de passarinho X

O sol estava nascendo, podia ouvir os primeiros lamurios da humanidade acordando, os carros, as buzinas, o mundo acordando e dando de sua forma um sutil bom dia. Fechei os olhos com força, sabia que meu pequenino corpo tremia, apertei ainda mais os olhos, abri meu bico e coloquei-me a cantar, faltava coragem de abrir os olhos, de saber se ele também estava ali, se ele chegava, ou se ele havia partido por não gostar de minha canção, continuei confiante, os olhos relaxaram um pouco mas ainda faltava coragem para abri-los.
Seu eu pudesse simplesmente saber tudo o que se seguiria, seu houvesse mais confiança em meu ser... Era difícil para mim encarar tudo aquilo, afinal já haviam sido tantas perdas, muitas delas por minha causa, minha culpa, palavra difícil essa, CULPA, ela cai com força em minha cabeça, ou eu a coloco sempre em meus ombros, posso dizer até que não sei se saberia voar se ela não estivesse ali, talvez eu já estivesse acostumado demais com seu peso, ele que ajudava a balancear meu voo, talvez sem ela eu já tivesse partido desse mundo, tivesse flutuado para fora da atmosfera, talvez a culpa seja semelhante a força da gravidade, ela que nos mantêm presas a esta terra.
Mas o fato é que com ou sem culpa era necessário prosseguir, assumir meus atos, minhas falhas, fraquezas, erros, tantas e tantas coisas, e se eu já havia acostumado com ela, poderia superá-la, quando finalmente estava prestes a abrir os olhos senti a vibração no galho em que eu estava pousado, assustei, parei de cantar, a respiração cessou por alguns instantes, o acelerar do coração fez com que ela voltasse, muito mais acelerada do que o normal, a vertigem, e por fim, os olhos se abriram, ele estava ali, me encarando, esperando que eu voltasse a cantar, ele estava calado, era a minha vez, afinal, ele já havia cantado tanto para mim. Respirei fundo, fechei novamente os olhos e cantei, cantei por muito tempo, cantei até a tarde chegar, e ele se manteve ali, ao meu lado, eu tinha vontade de cantar ainda mais quando pensava nisso, não conseguia parar, não queria que o dia terminasse, não queria que ele partisse, queria que tudo se mantivesse como estava, eu cantando, ele ouvindo, queria estar ali, ao lado, pois naquele instante nada mais importava, eu não lembrava mais que antes havia um gaiola, que antes havia um rapaz, eu não lembrava de ter me sentido nenhuma vez tão em “casa”, de repente a palavra lar parecia ter mudado de significado, ali parecia ser o meu lar, mas conforme a tarde vinha chegando, conforme a noite se aproximava eu sabia que aquele lar estava se desfazendo e que por fim ele se desfaria completamente, ou se desfaria até a manhã seguinte, onde eu novamente o teria ao meu lado.
E ele partiu, senti quando seu peso saiu do galho, a vibração, e então parei, deixei o silêncio me invadir, e aquela sensação de solidão se apoderou de mim, forte, como a muito eu não sentia, como havia sido da primeira vez que eu parti. Porém dessa vez era diferente, era solidão, era insegurança, medo, e mais diversos sentimentos que eu simplesmente não saberia nomear.

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